quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Revolvendo a Terra

Marcamos de nos encontrar para revolver a terra onde havíamos plantado sementes, meses atrás, num encontro que se estendeu para além do presencial. No primeiro dia de Outubro estávamos mais uma vez na Escola Municipal Taciano Fernandes Nunes, já tão mudadas de quando antes nos vimos – naturalmente, posto que é do humano as transformações irrevogáveis da passagem dos dias – para tratar mais um pouco da poesia que é a Literatura na vida.

Gratos encontros, ambos destinados à troca de palavras cheias de adjetivos, que apareceram para todos os gostos, palavras gastas, obscuras, musicais, bem dispostas, pomposas, displicentes, arrojadas, cotidianas. Reunimos-nos para falar de Literatura e nos consumimos em poesia da melhor qualidade. Novos pontos de vista entraram em foco, nossos olhos respiraram outras perspectivas.

Diferiram os encontros um do outro, no primeiro entramos na trilha que foi reviver a existência da Literatura entendendo-a como elemento necessário ao cotidiano, impedindo que este se banalize, impedindo que nos banalizemos nós mesmas e nossas emoções, lubrificando a máquina de sentir, estabelecendo bases para um pensamento que se desdobre acrescentando ao óbvio nossa singularidade.

Quando do segundo, considerando nossas bases mais sólidas passamos a investigar trilhas de pensamento, o valor do cultivo e desenvolvimento da razão, sempre abraçando a subjetividade que a acompanha muito antes de sabermos dela. Juntas, começamos assumindo que o exercício de pensar tem sido deixado ao que chamam necessário, que não nos temos disposto a pensar pensando conscientes do exercício e de suas implicações determinantes, que no mais das vezes não empenhamos nossas capacidades à prática da vida, e que, portanto, nos temos divertido e construído menos do que, talvez, deva ser nossa contribuição, como cidadãos, como educadores.

O tom era outro, a proposta era outra, a condução era a mesma, a Literatura. Só tem que dessa vez olhamos para a Literatura que flagra e fotografa quem dizemos que somos sem maiores reflexões, para as histórias que vivemos e os modos como reproduzimos e ensinamos a reproduzir sem dar conta de que até sobre a definição de certo, sobre a certeza de lei, sobre o costume repetido desde gerações antes de nós, há que se demorar em pensamentos. Descobrimos, diante da “realidade” antropológica, levemente tocada, que pouco somos “naturalmente” desta ou daquela maneira, e o quanto representamos de uma cultura fragmentada, de discursos incoerentes, como cabe às construções humanas, mas que certamente podem e devem ser revisitados e reconsiderados.

Foram longas horas abafadas que desfiamos juntas conhecendo um pouco mais de nós e dos registros de nós feitos por grandes autores. A hora de leitura que dividimos silenciosas aconteceu e pudemos degustar trechos deliciosos de historias repetidas nas páginas dos livros há décadas sem que delas soubéssemos.

A preciosidade o encontro rendeu, além de toda beleza até agora descrita, textos de cada uma de nós, este que agora escrevo de mim pra vocês, e o que todas escreveram quando de nosso encontro. O compromisso aprofundou-se e agora compartilharemos este espaço com textos produzidos pelas que lá estavam, afinal concluímos que temos a responsabilidade de contribuir para a construção da identidade deste espaço, que reflete, tão somente, o crescimento flagrante das educadoras que somos.

Lavorar a terra com palavras não configura tarefa imediatista, nem busca resultados instantâneos, sabemos já do papel do tempo na elaboração de nossa identidade, na construção do conhecimento, de modo que revolvemos a terra na intenção de continuar o trabalho de cultivo da horta que há de nos alimentar para além do que podemos ver. Assim, é meu desejo continuar não só nossos encontros, mas também poder assistir o nosso crescimento, poder compartilhar palavras, e ver as sementes lançadas rendendo nas belezas naturais que somos.

- Elis Barbosa

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